sábado, 27 de setembro de 2008

Botando Bronca


Confesso que não resisto a um ajuntamento. Vou chegando como quem não quer nada, pergunto ao circunstante mais bem encarado o que foi que houve, se não há perigo de prenderem agente, nem de tiros ou correrias, se houve mortos, se há sangue à vista... Procuro, na ponta dos pés, enxergar alguma coisa por cima das cabeças, ajeito-me discretamente e me disponho a ficar espiando também. Se vislumbro, todavia, a luz de uma vela entre as pernas dos que me estão à frente, vou tratando de dar o fora. Nunca tive forças para olhar de perto o rosto do infeliz, imediatamente pálido e crispado no ricto definitivo.
Camelôs, propagandistas, músicos de rua e comedores de vidro sempre me detiveram os passos. Limito-me, evidentemente, a ficar olhando com ar superior e cético. Para afinal afastar-me com um sorriso de enfado, se alguém me puxa dizendo “vamos embora”. Mas bem que no intimo gostaria de ficar até o fim da mágica. Ou até que chegue a polícia.
Foi o que aconteceu outro dia, ali perto do palácio maçônico, na rua do lavradinho. Eram onze e meia da noite e eu saia de mais uma de nossas reuniões de quinta-feira, quando vi o ajuntamento. Cheguei com tudo para ver o que tinha acontecido, passo firme e apressado, sem falar no terno preto e no anel. Os olhos de todos os circunstantes se voltaram pra mim – e eram já uma pequena multidão – os mais próximos instintivamente se afastando para que eu passasse. Fui direto ao centro da roda que se abria para engolir-me, levado pelo ímpeto de curiosidade que me fizera parar, e me vi diante de um rapaz contido por dois guardas, que me olhavam com respeito. Ao redor se fez um silêncio submisso.
-Que foi que houve? –perguntei a um deles, tentando um ar displicente.
Ora, se já não sou nenhuma criança, pelo menos reconheço humildemente que minha aparência não é de molde a se confundir com a de nenhuma respeitável autoridade. Pois foi como uma que me trataram. O guarda bateu continência e só faltava me chamar de Vossa Excelência ao explicar-me que o “individuo fora preso ao sair de um matinho em atitude suspeita”. E que não tinha documento, suas explicações não satisfaziam. O rapaz pôs-se logo a dizer-me, choroso, que em matérias se satisfazer, só explicava a necessidade que o levara ao tal matinho. “Não tive nem tempo de abotoar minha roupa”, lamuriou-se. Depois de ouvi-lo atentamente voltei-me para os guardas: é verdade? Perguntei apenas, e então já me sentia investido da autoridade que eles próprios me conferiam, e que o silêncio ao redor só fazia sacramentar. Os guardas disseram que não: haviam outros dois com ele, que fugiram, um chegou mesmo a atirar uma arma ali dentro do bueiro. “Doutor, isto é elemento conhecido, tem havido muita queixa de assalto por aqui ultimamente...”
Continuei ali, sem saber mais o que fazer. Os guardas e os circunstantes aguardavam de mim uma atitude. Já me sentia sem nenhuma autoridade, ante a expectativa geral. Não saberia mais tirar partido do equívoco.
-Por que você tentou fugir? –perguntei ao preso, para ganhar tempo.
-Por que eles queria me prender – respondeu ele.
-Eles estão cumprindo seu dever, o que é que você queria? Para eles você é suspeito. Não sabe explicar direito o que estava fazendo. Que eram os outros?
-Não sei de outros não. Já disse o que eu tinha ido fazer...
-Você não tem documentos, não é isso mesmo?
Ele disse que não.
-Pois então? Eles tem que investigar, meu irmão. E não bota bronca não que é pior. Levam você, se não houver nada torna a soltar.Pode algemar!!
Silencio de aprovação. Estava restaurada a ordem. A sociedade recebia a satisfação devida. Um dos guardas chegou a murmurar: “é isso mesmo...”
-É isso mesmo – repeti.
Afastei-me em passos firmes.



domingo, 21 de setembro de 2008

Leite

Desprovido de qualquer assunto específico, resolvi usar o leite como tema deste primeiro escrito. Estou falando nisso porque agora mesmo acabei de ler uma notícia num jornal carioca. A reportagem trata de duas vítimas mortais e alguns casos de bebês com cálculos renais por ingestão de melamina, na província noroeste de Gansu. Refletindo sobre este tema, peguei uma caixinha de leite e comecei a ler todas as informações. Diz o seguinte; contém carboidratos, gorduras trans, gorduras saturadas, estabilizante citrato do sódio, é processado pelo sistema UHT (ultra pasteurização) onde é submetido a temperatura de 144 °c, blá,blá,blá... Eu sempre pensei que leite fosse outra coisa, e me perguntei se aquilo é mesmo leite?
Fui ao dicionário. Nosso bom Aurélio diz o seguinte: Leite é um líquido branco, opaco, segregado pelas glândulas mamárias da fêmea dos mamíferos. Isso que é leite! Um alimento precioso, usado há milhares de anos por todo tipo de mamífero. É o único alimento só alimento. Esse aí da caixinha, não é leite coisa nenhuma... Se bobear nem vaca tem nesse negócio. Por isso que as crianças detestam! Quem gosta de beber um líquido com gosto de serragem, regado a coliforme fecal, que tem mais água do que qualquer outra coisa.
Beba leite! De vaca.